A Sala

by 17:49 0 comentários

Achei 2 fotos suas na internet. E 1 texto. Li umas 3 vezes mas não sei ao certo o que eles dizem. Fiquei o tempo todo imaginando você escrevendo. Alta madrugada, Chet Baker tocando ao fundo, as luzes de São Paulo além da janela. Gosto de compor cenas. Coloquei uma mobília de madeira escura na sala de janelas amplas com cortinas cor de café. Muitos livros na estante e outros tantos empilhados sobre a mesa onde, sob a luz de uma luminária da década de 50, você escreve em seu laptop com uma caneca de café bem ao lado. Eu não apareço na cena mas estou lá, quietinho em uma poltrona, num canto. E nem você me vê, mergulhado que está em suas idéias. Mas eu o vejo. E ficaria a noite toda assim, lhe vendo, batendo nas teclas com agilidade e parando de quando em quando para ler na tela luminosa e branca, a comunhão de suas palavras. O óculos sobre o nariz, a barba por fazer, a camisa polo já meio desbotada.
Eu deveria colocar num livro todos os momentos que já sonhei com você. Talvez por não registá-los, eles nunca se repetem. São sempre outros. Como uma história feita de partes que não se conectam. Como um livro que se pode abrir em qualquer página e fechar assim que o sono bater, sem nenhuma catarse ou enigma que nos roube o descanso. Gosto dessa rotina sem grandes novidades, sem sobressaltos. Gosto de momentos banais e facilmente esquecíveis mas que se sobrepõem a tempo de nos evitar da saudade.
Daqui onde estou quase posso ver os títulos dos livros que você está lendo. Mas posso deduzir. Tio Vânia, As Flores do Mal, Uma Estadia no Inferno... Eu juntei os seus livros com os meus na estante. Nesse sonho. Nessa cena. Acho que não existe maior comprometimento do que juntar livros. É mais do que troca de alianças, é misturar completamente duas vidas, duas histórias. É mais do que dizer "sim". É viver eternamente na dúvida sobre o que era de um e o que era o outro... ter a certeza de que isso não importa.
Acabei de colocar dois porta-retratos sobre a mesa. Fotos de viagem que fazem entender que estamos juntos a muito tempo. Nós dois em Moscou e depois numa mesa de café em Praga. Praga era meu sonho, desde a adolescência, quando li A Metamorfose. Fui muito Kafka durante um bom tempo. Não só Kafka, mas Fernando Pessoa, Virginia Woolf e Clarice Lispector também. Nossa, eu era muito chato! Escuto sua gargalhada. Depois vieram Nietszche e Cioran, aí eu relaxei. Mais gargalhadas suas. É, eu vi que não tinha mais jeito, que estava tudo fodido mesmo... Resolvi rir de tudo. E sonhar. Porque rir e sonhar não é uma coisa para só para idiotas. Não sei em que ponto da história alguém determinou que as pessoas que pensam não podem rir e nem chorar. Me tirei dessa realidade judaico-cristã. Adoro histórias de ficção. Adoro esse poder que temos de transformar as coisas. Não importa em que plano.


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